16 de outubro de 2008

Os sonhos não envelhecem


Por Lúcia Stumpf

"Há dias que condensam anos, há anos que condensam dias" - K. MarxLa jeunesse est la flame de la revolución - "A juventude é a chama da revolução" - slogan do Maio de 68 em Paris. 1968 foi sem sombra de dúvidas, um ano que condensou décadas. Manifestações antiimperialistas eclodiam por todo o globo. O velho colonialismo europeu parecia derrotado e o novo imperialismo ianque sofria duros golpes em Saigon. A solidariedade internacional ao povo vietnamita atingia um novo patamar.
Em Paris, mais de 50 mil estudantes, em marcha sob o Arco do Triunfo - naquele que ficou conhecido como o Maio de 68 e cujo auge seria a "noite das barricadas" - questionavam o papel da universidade, as liberdades individuais e os valores sócio-culturais vigentes. Enfrentavam a polícia e o pensamento resignado em nome da liberdade! Tal movimento culminaria numa greve operário-estudantil de mais de um milhão de pessoas com ampla simpatia dos cidadãos franceses. O fato soou como franca ameaça para governos autoritários ao redor do mundo. E os 366 dias de 1968 exalavam resistência e contestação, seja através das flores, seja através de canhões.
Mataram um estudante, podia ser seu filho
No Brasil, o regime ditatorial dos militares completara 4 anos em 31 de março e não havia nenhuma sinalização da redemocratização (tese defendida por algumas organizações, inclusive de esquerda, à época). Ao contrário. Quatro Atos Institucionais já haviam sido promulgados e todos no sentido de tolher mais e mais os direitos do povo. A repressão ao movimento estudantil era crescente. No dia 28 de março, Edson Luís de Lima e Souto, paraense de apenas 18 anos, é assassinado pela polícia durante confronto no Rio de Janeiro.
A morte de Edson Luís abre um ciclo de grandes mobilizações Brasil afora. Mais de 50 mil pessoas acompanharam seu enterro, que se transformou num ícone da luta dos estudantes pela democracia. A comoção e a revolta causadas pelo assassinato covarde de alguém tão jovem se converteram na sede de democracia e justiça. De março a outubro o clima era de extrema tensão: passeatas, protestos e reitorias ocupadas diariamente. Mais estudantes foram mortos em conflitos, outros tantos, feridos. No Rio de Janeiro a Passeata dos Cem Mil reúne líderes estudantis, trabalhadores, artistas e intelectuais pelo fim da ditadura. Em São Paulo, a Batalha da Rua Maria Antônia termina com o saldo lamentável de um estudante morto e dezenas feridos.
A UNE somos nós, nossa força e nossa voz
Quando os militares tomaram o poder do Estado brasileiro, em 64, uma das primeiras medidas adotadas foi a proibição da União Nacional dos Estudantes de existir e o incêndio e destruição covardes de nossa sede no Rio de Janeiro. O mesmo Estado que deveria zelar pelo bem estar dos cidadãos ateou fogo na Casa do Poder Jovem. Não foi por acaso, já que a UNE, entidade máxima de representação dos estudantes, já demonstrava seu enorme poder de mobilização e seu empenho na defesa intransigente da democracia, soberania nacional e da justiça social em todos os momentos em que estavam sob ameaça estes valores.
Desde então, muitos dos líderes estudantis tinham sido presos e postos na clandestinidade. Nem toda a perseguição a nossa organização nos impediu de continuar lutando pela queda daquele regime de opressão e violência. Em outubro de 1968, rumávamos à realização do nosso 30º Congresso, que ocorreria clandestinamente em Ibiúna, no interior de São Paulo. Foram mais de 700 participantes provenientes dos mais variados cantos do país.
Em 12 de outubro, a polícia invade o Congresso e prende todos os presentes. Mesmo acuados, aqueles bravos estudantes realizaram os debates do congresso na prisão e delimitaram quais os caminhos da UNE para o próximo período: mais do que nunca, intensificar a luta contra a ditadura. Dentre os 719 presos, estavam Jean Marc Van Der Weid – que seria eleito presidente da UNE pouco tempo depois, num congresso menor convocado para este fim, em claro sinal de insubmissão da UNE à ditadura -, Luís Travassos, Helenira Rezende e José Dirceu (presidente da UEE-SP). Iniciaram-se protestos contra a prisão dos estudantes.
O ano se aproximava do fim e, temendo o avanço das forças progressistas, o general Costa e Silva fecha o Congresso e promulga o AI-5, que inaugura o período mais cruel e sanguinário da ditadura militar. Rapidamente, o Estado edificava um aparato terrorista sob orientação e apoio da CIA. As perseguições, torturas e assassinatos de jovens estudantes, líderes do movimento, se intensificam mais e mais. Diretores da UNE foram assassinados.
De pé a classe estudantil
Mesmo com toda a perseguição da ditadura, a juventude brasileira nunca deixou de lutar. Os estudantes ainda se engajavam e engrossavam as manifestações que pipocavam por todo o país exigindo Diretas Já! E, em 1988, a promulgação da Constituição Cidadã enterrou definitivamente o regime dos generais. O sonho de Ibiúna se realizou.
Infelizmente, com irrestrito apoio dos meios de comunicação, Collor é eleito presidente e já inicia seu mandato impondo a agenda do neoliberalismo. Mais uma vez fomos às ruas, desta vez bradando Fora Collor! Com a queda de Collor, saímos vitoriosos. Mas sofreríamos novo revés. FHC seria eleito, por duas vezes, e avançaria com força sobre o patrimônio nacional. Esta política nefasta recebeu um basta em 2002 com a eleição de Lula para Presidência da República. Apesar de alguns setores do governo ainda serem ligados ao projeto neoliberal (como o presidente do BC, Henrique Meirelles), a Educação sofreu sensíveis progressos. E apesar das tentativas da mídia hegemônica, que representa os interesses do grande capital especulativo, de despolitizar a juventude com a idéia do individualismo egoísta, os jovens se engajam mais e mais em coletivos, em "tribos".
Esta diferenciação do jovem da era da informação com relação ao militante de ontem faz com que mude também o formato das nossas atividades. Não é possível ser a maior entidade juvenil do país e não acompanhar as mudanças da juventude. Mantemos a essência combativa e contestadora, mas a forma mudou. A luta pela Reforma Universitária continua na ordem do dia, porém com uma forma que dialoga com a juventude contemporânea, com os universitários de 2008, que na maioria vezes trabalham todo o dia e vão para a universidade só à noite, com o objetivo de conseguirem um diploma que os colocará em situação melhor no mercado de trabalho.
Realizamos a Caravana UNE: Saúde, Educação e Cultura que está percorrendo o Brasil discutindo saúde e comportamento juvenil, além de SUS e outros temas estratégicos para construir o país que queremos. Jogamos muito peso também no trabalho com a cultura e realizamos as Bienais de Arte e Cultura da UNE, remontando e reciclando a frutífera experiência do CPC da UNE.
Nossa luta hoje não é mais contra a ditadura dos fuzis, mas contra ditadura da ideologia. Pregam para a juventude de hoje que não há alternativa que não seja o Consenso de Washington, o individualismo e o hedonismo. E assim como a pauta de Ibiúna demorou anos para ser vitoriosa, vemos já uma outra América Latina em marcha, com grande peso da juventude em todas as suas transformações, mas com muito ainda a ser feito. Como nos mostrou a história, a presença dos estudantes na construção desta nova América Latina é essencial. Os estudantes foram, são e continuarão sendo a força motriz dos projetos inovadores e democráticos. Como o foram em Ibiúna, como somos hoje em dia.
Somos a juventude de Ibiúna, somos os jovens que dizem "Seja realista, peça o impossível!".
Lúcia Stumpf tem 27 anos e é presidente da UNE e militante da UJS.

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