11 de outubro de 2008

Tudo o que você quer saber sobre a crise e teme não entender (1)

Economista e cientista político filipino, Walden Bello — um crítico agudo do conservadorismo neoliberal — explica, de popular forma de perguntas e respostas, as razões e os fundamentos da crise financeira iniciada em Wall Street. Este texto, por ser muito longo, vai ser publicado em três partes.

Por Walden Bello (*)

O pior já passou?
Não. Se algo ficou claro com os movimentos contraditórios destas semanas em que, enquanto se permitia a quebra do Lehman Brothers, a AIG foi nacionalizada e o Bank of America assumiu o controle da Merril Lynch, isto significa que não há uma estratégia para enfrentar a crise; não há respostas táticas, como bombeiros que pisam na mangueira, atrapalhados com a magnitude do incêndio. O resgate de 700 bilhões de dólares [Este artigo foi escrito antes da aprovação final do pacote de salvamento dos banqueiros que, afinal, chegou a 850 bilhões - nota da redação] dos títulos com garantia hipotecária em poder dos bancos não é uma estratégia mas, basicamente, um esforço desesperado para restaurar a confiança no sistema, para evitar a erosão da fé nos bancos e outras instituições financeiras, e para evitar uma corrida para a retirada dos fundos dos bancos como a que desencadeou a Grande Depressão de 1929.

O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? Foi a ganância?

A velha e venerada ganância teve sua parte. A isto se referia Klaus Schwab, o organizador do Fórum Econômico Mundial, o convescote da elite global celebrado anualmente nos Alpes suíços, quando disse para sua clientela em Davos este ano: ''Temos que pagar pelos pecados do passado''.


Foi um caso de desregulamentação, de xerife pego cometendo um crime?
Pois é. Os especuladores financeiros tanto fizeram que até se confundiram a si próprios com a criação de contratos financeiros cada vez mais complexos, como os derivativos, tratando de ganhar dinheiro a partir de todo tipo de riscos (incluindo os exóticos instrumentos futuros), como CREDITS default swaps ou contratos de proteção de derivativos creditícios, que permitiam aos investidores apostar, por exemplo, que os emprestadores da própria corporação bancária não seriam capazes de pagar seus empréstimos! Este foi o comércio multibilionário não regulado que acabou derrubando a AIG. Em 17 de dezembro de 2005, quando a International Financing Review (IFR) anunciou seus prêmios do ano - um dos programas de prêmios mais prestigiados do setor - escreveu:

''Lehman Brothers não só manteve sua presença global no mercado, mas também dirigiu a penetração no espaço de preferência... desenvolvendo novos produtos e desenhando transações capazes de atender às necessidades dos mutuários... Lehman Brothers é o mais inovador nesse espaço justamente por fazer coisas que não se pode ver em nenhum outro lugar''. Nem é preciso comentar...

Houve falta de regulamentação?

Sim. Todo mundo reconhece agora que a capacidade de Wall Street para inovar e imaginar instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados foi muito além da capacidade reguladora do Estado, e não porque o Estado não fosse capaz de regular, mas porque a atitude neoliberal, de laissez-faire, imperante impediu ao Estado criar mecanismos efetivos de regulação.

Mas não há nada mais? Não há nada sistêmico?
Bem, George Soros disse que o que estamos vivendo é uma crise do sistema financeiro, uma crise do ''gigantesco sistema circulatório'' de um ''sistema capitalista global... que está arrebentando pelas costuras''. Para ficar com a idéia do arquiespeculador, o que estamos assistindo é a intensificação de uma das crises ou contradições centrais do capitalismo global, que é a crise de superprodução, também conhecida como superacumulação.

Diz respeito à tendência do capitalismo de construir uma enorme capacidade produtiva que termina por rebaixar a capacidade de consumo da população devido às desigualdades que limitam o poder de compra popular, e isso acaba por erodir as taxas de lucro.

Mas o que a crise de superprodução tem a ver com os acontecimentos recentes?

Muitíssimo. Mas, para entender a conexão, temos que voltar para a chamada Era Dourada do capitalismo contemporâneo, o período que vai de 1945 a 1975. Foi um período de rápido crescimento, tanto nas economias centrais como nas subdesenvolvidas, um crescimento impulsionado, em parte, pela massiva reconstrução da Europa e do Leste asiático após a devastação da Segunda Guerra Mundial, e em parte, pela nova configuração sócio-econômica institucionalizada sob o novo estado keynesiano. Um aspecto chave foram, aqui, os severos controles estatais da atividade de mercado, o uso agressivo de políticas fiscais e monetárias para minimizar a inflação e a recessão, bem como um regime de salários relativamente altos para estimular e manter a demanda.

O que aconteceu, então?

Bem, este período de elevado crescimento terminou em meados dos anos 1970, quando as economias do centro se viram imersas na estagflação, isto é, na coexistência de um baixo crescimento com uma inflação alta - o que a teoria econômica neoclássica supunha que fosse impossível. Contudo, a estagflação não era senão o sintoma de uma causa mais profunda, a saber: a reconstrução da Alemanha e do Japão, assim como o rápido crescimento de economias em vias de industrialização, como Brasil, Taiwan e Coréia do Sul, adicionou uma enorme capacidade produtiva e incrementou a concorrência global, enquanto que a desigualdade social, dentro de cada país, e entre os países, limitou globalmente o incremento do poder aquisitivo e da demanda, do que resultou a erosão da taxa de lucros. A drástica subida do preço do petróleo nos anos 70 só agravou a situação.

Como o capitalismo tratou de resolver a crise de superprodução?
O capital ensaiou três vias de saída do atoleiro: a reestruturação neoliberal, a globalização e a financeirização.

Em que constituiu a reestruturação neoliberal?
A reestruturação neoliberal tomou a forma do reaganismo e do thatcherismo no Norte e do ajuste estrutural no Sul. O objetivo era a revigorarão da acumulação de capital, o que se conseguiu: 1) removendo as restrições estatais ao crescimento, ao uso e ao fluxo de capitais e de riqueza; 2) redistribuindo a renda das classes pobres e médias aos ricos, de acordo com a teoria de que assim se motivaria aos ricos para investir e alimentar o crescimento econômico. O problema desta fórmula era que, ao redistribuir a renda em favor dos ricos, se estrangulava a renda dos pobres e das classes médias, e isso provocava a restrição da demanda, sem necessariamente induzir aos ricos a investir mais na produção.

De fato, a reestruturação neoliberal, que se generalizou no Norte e no Sul durante os anos 80 e 90, teve alguns escassos registros em termos de crescimento. O crescimento global médio foi de 1,1% nos anos 90 e de uns 1,4% nos anos 80, enquanto que nos anos 60 e 70, quando as políticas intervencionistas eram dominantes, foi respectivamente de 3,5% e de 2,54%. A reestruturação neoliberal não pode colocar um fim à estagflação.

Fonte: www.vermelho.org.br

Esta noticia tem continuação.

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