4 de setembro de 2008

Juventude e saúde: o papel da UNE e dos estudantes

Foi lançada no dia 12, no Rio de Janeiro, a Caravana da Saúde, Educação e Cultura da UNE. Este projeto é fruto de uma articulação da UNE com o Ministério da Saúde e percorrerá 41 universidades nos 27 estados do país. A proposta é de que a iniciativa articule debates, seminários e atividades culturais em torno de temas relacionados à Saúde, Educação, Cultura e Juventude.

A UNE, ao longo de sua história de mais de 70 anos, fez uso de diversos mecanismos para se fazer presente e atuante no cotidiano dos estudantes e conhecer as diferentes realidades das universidades. Assim foi com a "UNE Volante", em 1962, com a realização dos Conselhos Nacionais de Entidades de Base e assim pode ser com a "Caravana de Saúde da UNE" em 2008.

A caravana pode ser uma oportunidade para a UNE e o movimento estudantil acumularem sobre a defesa de um sistema de saúde a serviço da maioria da população. Um debate por demais oportuno quando consideramos que neste ano o Sistema Único de Saúde (SUS) completa 18 anos e sua plena implementação ainda é um desafio para a sociedade brasileira. Ademais, a caravana também deve cumprir o papel de articular as demais pautas e debates colocados para o movimento estudantil neste semestre, a exemplo da elaboração do projeto de universidade da UNE, a mobilização para o CONEB e a realização da Bienal de Cultura, Arte e Ciência da UNE.

A ação em si – visitar 41 universidades públicas e privadas nos 27 estados da federação – traz consigo um enorme potencial político para estimular e desenvolver, no seio do movimento estudantil (ME), as discussões que levarão a UNE a construir sua proposta de universidade para o Brasil. Somente desta forma o protagonismo da juventude estudantil transcende uma plataforma reivindicatória para o ensino superior e assume um outro patamar de luta política: a disputa por um projeto estruturante, democrático e popular de universidade.

Este mesmo potencial repousa na pauta da saúde. Porém, como se sabe, potencial não aproveitado não passa de mera possibilidade, distante da concretização. Para que a UNE tenha condições de fazer bom proveito de um instrumento como a Caravana é necessário estar atenta para algumas questões.

A JUVENTUDE
A base social com a qual a entidade irá dialogar é jovem, o que traz implicações que precisam ser elucidadas:

a) a relação entre as/os jovens e o ensino superior, hoje, é envolta pelo espectro do intenso desemprego e precariedade nas condições de trabalho e salário, em especial na juventude. É possível dizer que tal relação é, por tanto, permeada pela equivocada noção – originada do pensamento neoliberal – de que os altos índices de desemprego e a precariedade são conseqüências da má qualificação profissional da/do jovem e não da falta de postos e da existência de um enorme exército de mão de obra reserva. Logo, sob esta égide, a sociedade tende a conceber o ensino superior como suposta medida de superação individual desta realidade;

b) por ser uma fase da vida marcada mais profundamente que as demais pelos processos de experimentação, escolha, definições – geralmente a partir do método empírico de "tentativa e erro" – é comum atribuir ao “comportamento juvenil” uma superestimada importância que pode relegar a um perigoso segundo plano aspectos materiais e estruturais que interferem diretamente nas condições de vida das/dos jovens e independem de seu comportamento;

c) a grande diversidade e quantidade de organizações e pautas que agregam jovens coletivamente tem deslocado a escola/universidade do lócus de atuação central da juventude que estuda e se organiza. Apesar do ME permanecer como o movimento juvenil mais organizado, na atualidade já não é possível dizer que se constitui como a principal representação ou manifestação política das/dos jovens brasileiras/ os.

d) esta mesma multiplicidade de pautas e formas de organização reflete a necessidade que jovens têm sentido de busca e afirmação identitárias próprias. Reflete, igualmente, à necessidade de coletivização como busca de alternativas frente à hegemonia do individualismo e à realidade excludente de poucas oportunidades resultante da sociedade capitalista neoliberal contemporânea.

Estes quatro elementos impõem grandes desafios à UNE nesta iniciativa de promover uma Caravana que se propõe a debater saúde com jovens universitários, sendo o principal: correlacionar a pauta extra-educacional e extra-escolar/universitá ria com a necessidade de aproveitar o potencial mobilizador que a ação em si possui no ambiente intra-escolar/universitá rio, o lócus de atuação do ME.

A SAÚDE DA JUVENTUDE

A saúde pode ser definida como um estado de completo bem estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou de enfermidade. Dado que a juventude é um segmento da população relativamente saudável, foi prestada pouca atenção à sua saúde (à exceção de questões reprodutivas) . Mas quando a saúde da juventude se deteriora, freqüentemente é resultado ou efeito de acidentes, de ferimentos causados por conflitos armados, da violência, do abuso de substâncias nocivas, do HIV/AIDS ou da tuberculose (...) Os acidentes e os ferimentos são causas principais da morbidade, da mortalidade e da incapacitação da juventude (Organização das Nações Unidas, 2005).

Obviamente, não se pode adotar os índices de mortalidade como único parâmetro para mensurar a saúde de determinado estrato populacional, ou identificar os principias males dos quais padece. Porém, este é um indicador capaz de identificar as moléstias mais graves.

Estudos permitem afirmar a existência do que podemos denominar de “novos padrões de mortalidade juvenil”, indicando uma inversão das principais causas de morte entre jovens de 15 a 24 anos ao longo do tempo: as principais causadoras de mortalidade de cinco ou seis décadas atrás (doenças infecciosas e epidemias) foram progressivamente substituídas pelas causas externas.

Enquanto as causas naturais (doenças) são responsáveis por 27,2% das mortes de jovens, no grupo não-jovem representam acima de 90,2% da mortalidade. Já as causas externas (acidentes, homicídios, suicídios etc.), que na população não-jovem respondem por 9,8% dos óbitos, entre os jovens são responsáveis por 72,8% da mortalidade. Essas causas externas englobam, principalmente, as consideradas causas violentas neste estudo (acidentes de transporte, homicídios e suicídios), que, de forma isolada, são responsáveis por mais de 61,3% das mortes de nossa juventude. (Ministério da Saúde, 2007)

Dentre os óbitos violentos, o homicídio é disparado o principal motivo, correspondendo a 17.499 ocorrências em um universo de 27.784 em 2005 (Ministério da Saúde, 2005).

A questão comportamental

Afinal, os jovens possuem intrinsecamente um comportamento violento e por isso são os que mais matam e morrem, ou são, ao mesmo tempo, as maiores vítimas e agressores da violência pois são, também, os mais excluídos socialmente?

Os adeptos da primeira tese se agarram no aspecto comportamental da/do jovem como fruto e conseqüência de processos conflituosos originados pelo ingresso na vida pública e assunção de responsabilidades típicas da vida adulta. São os que propõem, por esta mesma razão, a tutela e a vigília da juventude como política pública, sob o argumento de evitar os ditos "comportamentos de risco".

Portanto, por mais que alguns componentes estruturais possam se manifestar sobre o comportamento das/dos jovens, é fundamental que a UNE aborde a discussão sobre a saúde juvenil a partir de um ponto de vista mais estrutural que comportamental.

O uso abusivo de drogas (lícitas e/ou ilícitas) é um exemplo clássico. Caso consideremos a drogadição uma questão meramente comportamental sobre a qual se deve bombardear campanhas preventivas ao uso, daremos menos atenção que a merecida a temas como as propagandas e o marketing das indústrias do álcool e do tabaco, que tem o jovem como principal público alvo. Temas como o crime, a corrupção e a violência decorrentes da ilegalidade conferida a algumas substâncias – assim como os limites morais, econômicos e políticos que se impõem para impedir um franco debate sobre a legalização das drogas – permanecem debaixo do tapete.

Ademais, ao focar prioritariamente o comportamento juvenil como estratégia de promoção da saúde desta população se incorre no grave equívoco de responsabilizar exclusivamente o indivíduo pelos problemas coletivos que sofrem. Ou seja, individualiza- se a solução de males socializados.

A relação entre saúde, as juventudes e o meio universitário

Cabe ainda discutir como abordar as questões que atingem a saúde das/dos jovens sendo que cada camada social e situação juvenil – determinada por condições de moradia, escolaridade, territorialidade, regionalidade, classe, gênero, etnia, emprego, relações trabalhistas, etc. – que compõem a base social da UNE é afetada de uma maneira específica.

Por tanto, faz-se necessário distinguir de qual juventude falamos quando tratamos dos índices de homicídios, de portadores de HIV, ou de acidentes no trânsito, por exemplo.

Determinada moléstia pode ser mais recorrente em um estrato social que está majoritária e esmagadoramente excluído do ensino superior, como é o exemplo dos homicídios, que afetam principalmente os jovens homens negros das periferias dos grandes centros urbanos. Outra moléstia, como é o caso da violência no trânsito, ganha relevância em estratos da juventude que têm acesso a meios de transporte privados e maiores possibilidades de acesso ao ensino superior – pesquisas demonstram que há íntima relação entre poder aquisitivo e escolaridade.

Neste sentido, cabe retornar ao desafio principal: correlacionar as pautas extra e intra-escolares/universi tárias. Isto se torna uma questão ainda mais atual e premente se considerarmos a mudança na composição social do corpo discente da universidade brasileira, evidenciado pela maior presença, ainda que limitada, de jovens das periferias e de baixa renda nos bancos acadêmicos.

SAÚDE E UNIVERSIDADE

Para ser capaz de coesionar o tema central da Caravana com o compromisso de transcender a "plataforma reivindicatória" e assumir a disputa de um "projeto estruturante democrático e popular" de educação, a UNE não pode hesitar em travar uma séria discussão na academia e na sociedade acerca da implementação do SUS, cuja base legal, a Constituição de 1988, completa vinte anos em 2008.

Nas universidades, a UNE deve estimular discussões sobre o papel da ciência e da tecnologia no impulso à reforma sanitária; a formação profissional e a extensão universitária na área da saúde; as alterações da legislação para o pleno funcionamento do SUS (regulamentaçã o da PEC 29, por exemplo); o papel dos Hospitais Universitários (HUs); as conseqüências maléficas das fundações estatais de direito privado. Nestas discussões a UNE deve demonstrar sua posição: a defesa da formulação que gerou o movimento pela reforma sanitária na década de 70 e, por conseguinte, o SUS, cujos princípios e diretrizes são referência internacional. A UNE deve, igualmente, demonstrar sua disposição: combater a exploração da saúde pelo capital, representado pelos planos de saúde privados; lutar pela implementação plena do SUS, o que demanda construir um modelo de desenvolvimento que seja soberano, justo, igualitário e democrático; e lutar por uma universidade democrática e popular comprometida com a reforma sanitária.

O PAPEL DA UNE NA CARAVANAÉ preciso resgatar que embora as executivas e federações de cursos de saúde tenham longa trajetória neste debate, a UNE acumulou pouco sobre a questão da saúde no movimento estudantil. A realização de espaços de articulação e debate sobre este tema é recente na entidade, tendo iniciado na última gestão. Portanto, mais do que levar a UNE nas Universidades, como sugerem opiniões mais superficiais, a Caravana deve ser um instrumento de diálogo com a juventude universitária, ampliando a influência da UNE entre os estudantes brasileiros e incorporando as principais pautas do movimento de saúde.
Nesse sentido, a caravana deve evitar a todo custo a presença de uma determinada concepção de juventude, que vê os jovens apenas como “problema” e público alvo das campanhas do Ministério da Saúde. Para tanto, nossa intervenção deve disputar palmo a palmo a opinião dos estudantes em relação a temas que incidam na sociedade na perspectiva da ampliação de direitos para a juventude e não na reprodução de uma visão tutelar da condição juvenil.

Para que consiga utilizar o potencial inerente a instrumentos como uma Caravana, a UNE deve posicionar-se definitivamente como canalizadora dos anseios das juventudes universitárias.

Como movimento social, o movimento estudantil, e conseqüentemente sua entidade máxima de representação, não deve cometer o equívoco de assumir para si a tarefa de encaminhar à sua base social as supostas medidas que fariam a saúde das/dos jovens universitárias/ os elevarem de patamar. A relação deve ser invertida.

Ao invés de visitar as universidades com a preocupação de apresentar a política pactuada com o Ministério da Saúde, o papel da UNE deve ser apresentar ao governo e à sociedade a política pactuada com o conjunto das/dos estudantes brasileiros. Havendo esta reversão, a base social do ME deixa de ser mero público alvo e passa a condição de sujeito político indispensável à necessária transformação dos sistemas educacional e de saúde.

Compreender as atuais tarefas do movimento estudantil exigirá um dedicado esforço militante, de análise e reflexão sobre o papel das entidades estudantis na atual conjuntura, os impactos das mudanças ocorridas na sociedade e no ensino superior nos últimos anos. Da mesma forma, devemos travar um profundo debate sobre a atual composição social dos estudantes universitários, a condição dos jovens brasileiros e suas novas formas de sociabilidade e participação política.

Há muitos anos, a UNE e parte expressiva das entidades estudantis vem demonstrando pouca presença e enraizamento entre os estudantes, gerando sérios problemas de legitimidade e representatividade. Seu potencial mobilizador, organizador e dirigente das lutas estudantis têm sido pouco aproveitados. A Caravana de Saúde, Educação e Cultura da UNE poderá contribuir tanto para aprofundar quanto para superar este quadro, a depender da postura da entidade diante da tarefa de formular um projeto democrático e popular de universidade, bem como do tipo de relação que pretende manter com os estudantes durante e após a Caravana.

Um comentário:

caphooke disse...

porra so fui ver isso hoje, mais de 2 anos depois, mas é sacagem a ujs postar um texto da reconquistar a une que é oposição e nem dar os creditos