Neste 2008, o movimento estudantil relembra 4 décadas de um ano que valeu por uma eternidade. Em 1968, a juventude vivia uma revolução de valores - sexual, comportamental e política. "Pipocaram" pelo mundo diversas aglomerações, e aqui no Brasil os estudantes se organizaram num momento crítico do país. O Golpe Militar de 64 fechava como nunca a política. Ao lado de reivindicações por melhorias na Educação, aliou-se a vontade dos estudantes de um novo regime, revolucionário e popular, e as grandes cidades brasileiras viveram momentos de quase guerra civil. Em 68, o movimento estudantil atingia seu ápice e, ao mesmo tempo, viveria sua maior crise, ao ser jogado no fosso da ilegalidade durante quase duas décadas. Os resultados dessa cessão de cidadania, espalhada em outras esferas, são vistos hoje, com uma sociedade ainda muito individualista e pouco engajada politicamente.
"Por isso cuidado meu bem / Há perigo na esquina / Eles venceram e o sinal / Está fechado para nós / Que somos jovens..."
Podemos considerar que a ditadura militar havia começado antes mesmo do Golpe em 64. Em agosto de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, o país viveu a crise da posse de João Goulart, tido pelos conservadores como uma ameaça comunista. Nessa época, eles deram um pré-golpe com o decreto do parlamentarismo. Também mostraram força esvaziando uma grande campanha liderada por Leonel Brizola - então governador gaúcho -, campanha essa que ficou conhecida como Movimento da Legalidade e que contou com uma grande participação estudantil. Apesar da derrota ideológica, a UNE se fortaleceu nessa época, já que Jango, depois de "eleito", foi à sede da entidade agradecer o apoio.
"Eu vou ficar nesta cidade / Não vou voltar pro sertão / Pois vejo vir vindo no vento / Cheiro da nova estação / Eu sei de tudo na ferida viva / Do meu coração..."
A resposta para tamanha repressão militar só poderia vir na forma de indignação e uma certa - e necessária - rebeldia juvenil contra o sistema. As formas de contestação eram várias, da mais moderada a mais radical. E tinha de vir dos jovens, já que o momento era significativo. Como mostra Zuenir Ventura em seu 1968 - O Ano que Não Terminou, o Brasil tinha talentos como Pelé, tropicalistas, novos compositores da MPB, Elis Regina, Roberto Carlos, Gláuber Rocha, a nova safra do teatro experimental. Todos com menos de 30 anos.
Banhados nesse ímpeto renovador, formaram-se os quadros políticos. Vladimir Palmeira, Luís Travassos, José Dirceu e outros tantos que apareceram na direção do movimento estudantil. O mártir, porém, apareceu numa grande tragédia. A morte do estudante Edson Luís resultou no ponto alto das manifestações, que passaram a contar com apoio maciço da sociedade. A mesma que 4 anos antes havia marchado em favor dos militares. Só que em 68, marcharam no mês de junho 100 mil na Passeata da Candelária, no Rio de Janeiro, todos em defesa de um país mais justa, pelo fim da repressão e contra o autoritarismo e a violência da ditadura.
Em São Paulo, no entanto, a força conservadora mostrava sua cara e a Rua Maria Antônia - que abrigava a esquerdista Filosofia da USP e a direitista Universidade Mackenzie - promovia sua guerrilha. Foi o primeiro sinal de destituição do movimento estudantil, que veio a colocar o pescoço na corda no XXX Congresso da UNE, em Ibiúna. Lá, foram presas e torturadas as principais lideranças. No fim do mesmo 68, era decretado o AI-5, que retirava de vez todos os direitos dos brasileiros.
"Já faz tempo / Eu vi você na rua / Cabelo ao vento/ Gente jovem reunida / Na parede da memória / Essa lembrança é o quadro que dói mais..."
Não dá, no entanto, para resumir a participação política da geração de 68 nessa sucessão rápida de fatos. Toda o formato de mobilização, organização e estrutura ainda se mantém vivo e foi preponderante para que, após a reabertura democrática, se reconstruísse a UNE e o movimento estudantil. Mais que um simples sonho, ficaram presas ou foram exiladas idéias de um país progressista. E elas voltaram a partir da década de 80, já com uma nova geração temperando esses ideais com o revisionismo e adaptação à nova realidade necessários.
"Mas é você / Que ama o passado / E que não vê / Que o novo sempre vem..."
Tivemos os caras-pintadas na década de 90 com o Fora Collor. Um grande momento para a juventude, que passou a representar novamente uma força política a ser respeitada. Porém, mesmo com o processo democrático completando mais de uma década, as coisas caminhavam - e ainda caminham - no ritmo estagnado do regime militar. Ao mesmo tempo, e de maneira muito mais acelerada, veio o processo de globalização que ajudou a fortalecer o papel do jovem na sociedade.
Por causa da facilidade de adaptação às novas tecnologias e aos formatos de comunicação, tanto a juventude quanto o movimento estudantil se tornaram referências. 40 anos depois, é provável que a mesma oportunidade de revirar a ordem da geração de 68 esteja dando sopa para nós. Maior herança daqueles tempos não há. Assim como devemos nos inspirar naquele ímpeto reformista, é necessário atualizarmos as bandeiras e ampliar o debate. E que fique claro: não houve fracassos. Impossível diagnosticar como equivocada qualquer decisão tomada pelos estudantes em 68. O que se repete, no entanto, é a chance de se promover mudanças. Resta à nova geração tentar, pois o erro é permanecer omisso.
Dicas de leitura:
- 1968: O Ano que Não Terminou - Zuenir Ventura
- Brasil Nunca Mais - Dom Paulo Evaristo Arns
- 1961: Que As Armas Não Falem - Paulo Markun e Duda Hamilton
Um comentário:
Muito pertinente esta discussão histórica sobre o movimento estudantil no Brasil.
É lamentável que os jovens de hoje não adquiriram esta atitude revolucionária de brigar pelos seus direitos, e se mobilizar contra tantos fatos prejudiciais à sociedade, principalmente quando esses fatos trazem exemplos negativos como o da prática da corrupção no setor público devido ao tráfigo de influência,ou simplesmente pelo desvio dos recursos públicos, que deixam os jovens desmotivados para se tornarem participantes ativos na política de forma honesta e com ética. A maioria dos jovens vêem esta prática como algo normal no meio político e econômico. É preciso abrir os olhos, é necessário sensibilizá-los, é de fundamental importânica resgatar nos jovens a cultura revolucionária para que mudanças sejam realmente provocadas e realizadas no País.
Antônia Ustulin
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