21 de dezembro de 2008

Esses dias são de Alexis, a raiva da juventude

Uma raiva que quis sair para as ruas e arrastar tudo o que há nelas. E saiu.
No dia 6 de dezembro morre um jovem de 16 anos vítima de uma bala perdida no bairro de Exarchia, em pleno centro de Atenas. O único pecado desse jovem – não lhe deram tempo de ter mais que um pecado -, como o de muitos, milhares e milhões de outros jovens, o pecado que lhe custou a vida, foi o de gritar a dois policiais que passavam por ele e por seus amigos num sábado à noite, algo como: "fora deste bairro seus porcos policiais!"

Seu nome é Alexis, mais um Alexis de um país distante que se chama Grécia.

A notícia corre rápido e chega aos ouvidos de outros jovens como ele. As pessoas se indignam. Não, não está certo. Não é apenas indignação. É um acúmulo de raiva. Uma raiva que quis sair para as ruas e arrastar tudo o que há nelas. E saiu. As pessoas com suas raivas saíram para as ruas e colocaram Atenas, assim como quase todas as cidades deste país, em estado de emergência.

Em sua maioria jovens, com pedras nas mãos e raiva nos corações, saíram para as ruas. E arrastaram tudo. As lixeiras, as calçadas, os prédios, as lojas, os bancos, os carros; arrastaram também as promessas vazias e o presente que os priva delas.

Arrastaram a má educação, a falta de emprego, a inseguranç a do futuro, o presente que nos oprime, o passado que se esqueceu. Arrastaram os símbolos que o sistema lhes oferece para olhar de longe, porque tocá-los lhes custa muito caro. Arrastaram os símbolos que, aliás, nem sequer necessitam. Arrastaram os anúncios luxuosos, espelhos de uma vida encarcerada nas quatro paredes do trabalho, da escola, da universidade, que obedece ordens de gente que suga toda a sua energia em troca de migalhas.

O governo de direita que no momento governa este país passou dos limites de tolerância aprovando leis que eliminam os direitos trabalhistas, o direito à saúde, à educação, à moradia, à própria vida e reprimindo aos que gritam com toda sua força que não deve ser assim.

Nos estão tirando a vida cotidiana e o assassinato de Aléxis foi a gota que quebrou e transbordou o copo da tolerância e do silêncio.

Nada mais será igual aqui para nenhum de nós. O que vivemos esses dias na Grécia é uma revolta juvenil, de meninos, de meninas, de 14 e 15 e 16 e 17 e 18 anos de idade. É uma revolta de jovens que sentiram que suas vidas estão em risco: "já mataram um de nós, quem será o próximo?". E nos estão dando uma lição de vida.

Depois da primeira expressão dessa raiva acumulada, veio a organização espontânea da juventude. Mais de 400 escolas secundárias de todo o país foram ocupadas, assim como muitas universidades e já há uma coordenação das ações de alunos e estudantes.

Todos os dias alunos e alunas da escola secundária chegam até diferentes delegacias, cercam-nas, rodeiam-nas, gritam aos policias, lhes atiram pedras, queimam seus carros, enfrentam-nos diariamente nas ruas, sem pensar nos riscos e nas conseqüências.

Raiva pura e bonita. Os jovens deste país já gritaram seu "já basta!". E pedem para que toda a sociedade esteja do seu lado para, assim como eles e elas, gritar seu "já basta!" e tomar as rédeas de suas vidas. As pessoas nos bairros de Atenas e de outras cidades em alguns casos os escutou.

Em vários bairros foram organizadas ocupações de edifícios municipais e, no geral, há muitas tentativas de, cada vez mais, se organizar e coordenar essas ações. Há protestos generalizados. Barricadas são armadas todas as noites ao redor da universidade politécnica de Atenas e resistem a noite inteira aos policiais.

Os mais reprimidos também encontraram sua oportunidade para expressar sua raiva. Os ciganos que sofrem repressão policial e sua impunidade, os migrantes que, diariamente, são mortos de diferentes maneiras, também saíram para as ruas e agarraram suas pedras como as jovens.

A repressão também se generaliza. Em toda a cidade de Atenas há uma nuvem permanente de gás lacrimogêneo e outros químicos. Os policiais de uniforme verde, os mais truculentos, reprimem, golpeiam, prendem, dão tiros para cima, insultam. E todos que assistem suas ações de perto já não as podem tolerar.

Há quem saia das "cafeterias" onde tomam seus cafés para gritar aos policiais: "fora daqui!". Há quem lhes atire ramos de flores de suas varandas. Há aqueles que quando vêem os policiais agarrando os jovens correm e lhes tiram de suas mãos violentas.

Do outro lado há a propaganda permanente dos meios de comunicação de massa. Repetindo imagens de destruição, falando dos pequenos empresários que perderam tudo, das propriedades de uns coitados, do espírito de natal que uns vândalos estão destruindo, dos ladrões que se aproveitam para roubar as propriedades destruídas.

Mas esses dias têm se desenhado imagens tão bonitas em nossas ruas. E nossos corações se enchem de uma esperança, mesmo que ainda não possamos assimilar o que está acontecendo em nossa sociedade. É chegada a hora de escutar àqueles mais sãos de nosso país: os mais jovens, os mais inocentes que essa semana cresceram muito e rápido, e suas ações se fizeram postura de vida.

Temos que escutá-los e estar junto deles, junto delas, porque o que pedem é o que nós também queremos: nossas vidas tratadas com dignidade e respeito.

Do lado de fora do Congresso do país, uma menina está conversando com um policial em um momento de calma, lhe perguntando por que estão batendo nos meninos e meninas, por que reprimem a ela e a seus companheiros.

O policial pergunta quantos anos ela tem. Ela responde que tem 18 anos. O policial ri e diz que quando ela tiver 40 anos mudará de idéia. E a menina de 18 lhe responde: "quer dizer que quando eu tiver 40 e matarem a um menino de 15, do meu lado, eu vou ficar quieta?".

A conversa acaba aí e a palavra se perde por detrás do som das bombas molotov e do som do cassetete, de novo o mesmo, caindo sobre as costas de outros jovens como ela.

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